terça-feira, 29 de dezembro de 2020

O narcisismo nosso de cada dia!


Desde que começou a pandemia, começou o inferno do home schooling com a minha filha de 5 anos. Aliás, ela fez cinco um mês depois do início da quarentena, a pobre coitada tinha só 4 anos quando tudo começou. Ok, cinco também não é grande diferença. Ela está na pré-alfabetização da escola, que é britanica, ou seja, ela é alfabetizada em inglês, português fica pra depois. Isso porque saiu de uma creche que era contra ensinar inglês, mais alinhada com uma filosofia waldorf ou qualquer outra que prega que as crianças não devem aprender a ler e escrever cedo, só a partir dos 6 anos e olhe lá.

Pois bem, começou o inferno, apostilas de pdf e vídeo eram enviados todos os dias com milhões de letras e seus novos fonemas para aprender, primeiro em inglês, depoooois em português. Os vídeos eram do youtube. Ela chorava, discutíamos tooodo santo dia porque ela não queria fazer o dever e eu insistia. Ela acabava fazendo e até ficava feliz quando via que tinha aprendido algo. Principalmente matemática. Ela vibra quando acerta somas e fica falando palavras difíceis de porcentagem sem sentido se achando o máximo. Aí que está o pulo do gato, ela se acha o máximo em matemática e por consequência eu também me inflo toda quando ELA se enche ao somar 10 plus 2. Ou faz cabinho de palito quando a conta é mais do que dez e não cabe na mão ou ajuda com os dedos dos pés. (ok, ajudar com os dedos dos pés eu ensinei).

A professora ensinou a colocar o número 10 na cabeça e contar os seguintes, mas não funcionou esse método com ela.

Seguindo, eu sou jornalista e professora de português para estrangeiros e inglês, mas não sou alfabetizadora e não faço a mais vaga ideia de como se faz isso. Matemática e física sempre foram minhas piores matérias na escola, já português e historia eu sempre tive uma facilidade que os outros não entendiam, assim como não entendiam minha imensa dificuldade em inglês. Em inglês? Mas você não é professora DE INGLÊS? Sou, aprendi inglês com 20 anos quando fui morar na Austrália. Tenho essa mania de não desistir do que acho difícil. E quando aprendo, a realização é infinitamente maior. Também me ferro? Claro. Porque muitas vezes não consegui e aí o tombo e a decepção comigo mesma era muito maior. Descabelei-me dos pés à cabeça quando fiquei em recuperação em física.

Continuando: o que eu mais tenho ouvido no grupo de mães da escola da minha filha é: coloquei-o com uma professora particular. Estava todo mundo falando frases inteiras e só meu filho que não. Interessante é que mais da metade das mães falaram isso, então devo continuar ruim em matemática, pois se é só o filho de cada uma, como isso dá mais do que a metade, não sei. 

Fiquei pensando com meus botões. Os filhos querem falar inglês fluente, outra língua que não a materna, sem encontrar com amigos e confinados em casa? São eles que querem ou os pais que sentirão seus egos encantados dizendo? _ Meu filho sabe falar inglês perfeitamente mesmo com a pandemia porque EU proporcionei isso a ele. Quando elogiam seu filho, qual a primeira coisa que você pensa? Viu, ele é assim porque eu corro atrás disso, porque eu, porque eu, porque eu e não porque ele, porque ele.

A principal reclamação da minha filha quanto aos exercícios era tê-los que fazer sozinha sem amigos, e eu nessa loucura de não deixá-la para “trás dos outros”. Vejam : ela tem cinco anos de vida! Ela vai ficar atrás de quem? Sou EU que como mãe não quero ficar atrás de nenhuma mãe que ao final da pandemia inflará o peito para dizer: meu filho aprendeu inglês mesmo com todas as adversidades. Na verdade o que estou querendo dizer é que eu sou foda porque consegui isso e não ele. Tenho certeza que ele não está nem um pouco orgulhoso ou feliz de si próprio por isso e sim com saudade dos amigos e achando um saco tudo aquilo.

 Chegou então o segundo semestre, como se não bastassem os vídeos e pdfs diários, começaram as aulas on line diárias de 20 minutos, às vezes mais de uma aula por dia. Mães se sentindo culpadas mais uma vez porque não conseguem estar no horário da aula, pois têm que trabalhar. Para minha surpresa, minha filha gostou. Claro que gostou, ela não presta a menor atenção na aula, fica fazendo coraçãozinho com as mãos e abraçando o computador (o que é de dar um dó sem fim). Ela não está nem aí para o que está “aprendendo” (tirando matemática) e sim reparando em como é a aluna nova, se alguém perdeu o dente como ela ou em qual arco a melhor amiguinha está usando.

Na boa, seis meses na vida da minha filha do alto dos seus cinco anos, não vão fazê-la ir pra Harvard ou pro Sana fumar maconha. O que vai fazê-la ir pro pinel ou ter anos garantidos de psicólogos e psiquiatras a acompanhando é a frustração dela em não ME satisfazer fazendo todos os deveres e construindo frases completas em inglês como todos os amigos, ou metade deles.

Quando eu me toquei disso e parei de cobrá-la a fazer o dever todos os dias para atender um desejo meu, ela começou a querer fazer, do jeito dela, da maneira dela e o que ela quer,atendendo ao desejo dela e não ao meu.  Todos os dias de manhã me pergunta: _Mamãe o dever chegou? Hoje tem quantas aulas?

Em alguns vídeos (eles deixaram de ser do youtube e passaram a ser feitos pelos professores) eu pergunto: _Entendeu Anna? E ela: _Não, nadinha. Quem sabe com 20 anos ela entenda, ou não.