quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Aqui no Sistema


Esse texto ganhou o Concurso promovido pela Hama Editora, na Bienal do Livro, no Rio de Janeiro, em que a proposta era fazer um livro em uma semana. De 306 contos inscritos na Feira, 20 foram selecionados, resultando no livro Contos de Todos Nós.


– Pizzaria Clique e Pronto, Maria, boa tarde.

– Boa tarde, eu queria uma pizza, metade calabresa e metade portuguesa, por favor.

– Senhor Ignácio, eu acharia melhor substituir a metade calabresa por uma vegetariana. O seu colesterol está muito alto.

– Eu sei, mas hoje é sábado e minha médica disse que, uma vez por semana, eu poderia comer.

– Não, senhor, segundo consta aqui no sistema, o senhor está terminantemente proibido de comer qualquer tipo de gordura trans. E só estão permitidas duas fatias de pizza que juntas não ultrapassem 100 kcal, mas isso, se o senhor tiver cumprido sua meta semanal de exercícios. O senhor cumpriu?

– Mas eu não vou comer a pizza sozinho...

– Sabemos senhor Ignácio, o senhor sempre pede pizza quinzenalmente, aos sábados, que são justamente os dias que passa com o João e a Clara. O próximo fim de semana seria da dona Elza, mas como ela estará viajando com o senhor Roberto para Cuba, o senhor terá que ficar dois fins de semana seguidos com as crianças, a não ser que peça para a Dona Amélia cuidar delas. Por enquanto não consta nada aqui no sistema relativo a alguma viagem da dona Amélia. Já a sua ex-sogra estará naquele SPA em Itaipava que costuma ir a cada dois meses.

– Muito obrigado por me ajudar a decidir com quem meus filhos ficarão no próximo fim de semana, mas voltando ao assunto da pizza, aliás, foi pra isso que eu liguei, ou será que teclei errado?Ah, sei lá, já nem sei direito com quem estou falando.

– Pizzaria Clique e Pronto, Maria, boa tarde.

– Ah claro, era você, Maria...Não precisa repetir tudo novamente: “Pizzaria Clique e Pronto, Maria, boa tarde”

– Mas foi o senhor que disse que não sabia com quem estava falando e segundo o que diz aqui no sistema, a cada vez que o cliente der sinais de que está ficando confuso devemos repetir tudo desde o início.

– Ok, ok, dona Maria. Substitui então a pizza calabresa por vegetariana, pelo menos a metade portuguesa você pode deixar?

–Impossível, senhor Ignácio. A metade portuguesa tem, em cada fatia, 29% de gordura trans e 72 kcal, ou seja, praticamente metade de uma fatia já iria ultrapassar o máximo de carboidratos que o senhor poderia atingir em um sábado.

– Então tá. Eu não como a portuguesa, como só a vegetariana, eu prometo. Eu deixo a portuguesa para o João e a Clara.

– Desculpe lhe informar, senhor, mas o João também não pode comer pizza portuguesa.

– Ai meu deus, por quê?

– Porque a pizza portuguesa contém cebola e a última vez que o João comeu cebola, o resultado parece que não foi nada bom, segundo consta aqui no sistema.
– Ah é?! E o que aconteceu com o João, dona Maria?

– Ele teve reações alérgicas fortíssimas. Os olhos ficaram inchados e placas vermelhas apareceram no pescoço. O senhor não deveria saber por que, neste fim de semana, ele estava com a sua ex-esposa. Era o fim de semana dela.

– Mais uma vez, muito obrigado pela informação. Mas será que a senhora então, poderia tirar a cebola da pizza portuguesa e trazê-la?

– Não, senhor! Nenhuma das pizzas pode ter seus ingredientes alterados.

– Mas você não está substituindo nada, só está tirando.

– Por favor, senhor Ignácio, não insista. O sistema não nos permite retirar a cebola. Peço também que o senhor não se altere, senão sua pressão irá subir e os preços dos remédios para controlá-la estão cada vez mais altos. E sua situação financeira também não é das melhores.

– O que a senhora sabe da minha situação financeira?

– Eu não sei de nada, é o que diz aqui no sistema: 30 reais de saldo devedor e dois mil para serem pagos na próxima fatura do cartão de crédito que vence dia 07.

– A senhora só pode estar brincando.

– Não, senhor. O sistema não permite brincadeiras.

– Mas, que palhaçada é essa?!!

– Não senhor, eu não sou palhaça, sou atendente da pizzaria Clique e Pronto.

– Então, porra, me manda a merda da pizza vegetariana com uma, uma... de alface!

– Senhor, detectamos duas palavras em sua frase que não concordam com o nosso sistema. O senhor poderia repetir a última frase, por favor?

– Eu-não-quero-mais-pizza!!!!

– Desculpe, senhor?

– Eu-não-quero-mais-pizza!!!

– O sistema não decodificou a sua mensagem.

– Vão pra puta que o pariu, todos! Mensagem, colesterol, rúcula, alface, sistema e você, Dona Maria!

– Desculpe, senhor Ignácio, tivemos uma falha no sistema.

....

– Pizzaria Clique e Pronto, Renata, boa tarde.

Papo Calcinha



Oi estou gostando muito do programa..e muito engraçado as meninas falando e e bom pra esse jovem ver e nao fazer besteira tenq fala pra de uzo de preservativo..seila alguma tecnica de-se coloca a camisinha seila uns treco asim...pra estimularem eles uzarem a tal da camisinha bjos fuiiii


Um comentário desses só pode ser brincadeira, né? É a primeira coisa que você pensa. Explicando: esse é um dos comentários infelizes de um telespectador do programa “Papo Calcinha” do Multishow. Por quê, por quê, meu Deus, existem pessoas assim? Elas deveriam ser banidas da sociedade. Tanto o comentarista como as quatro apresentadoras do programa. Sem preconceito contra qualquer profissão, mas uma é maquiadora, a outra está voltando ao teatro e, atualmente, dedica-se à astrologia; a terceira e a quarta são atrizes. Não sei se realmente são atrizes ou dizem que são, mas, pelo menos, elas têm alguma explicação para quererem aparecer na TV. Uma se preocupou em dizer que está lendo Sartre e colocou uns óculos de grau no meio da gravação de seu perfil para dar um ar de séria.

A mais nova tem 23 anos, e a mais velha, 28. São PHDs em sexo e homens. Só podem, para serem escolhidas para fazer um programa que só fala sobre isso, a meu ver elas têm que ter pós-graduação no assunto. Pós-graduadas ou não, elas me dão uma puta de uma vergonha alheia. Enquanto eu vejo o programa, escondo-me embaixo do travesseiro. Por que eu vejo então? Provavelmente, você também faz isso. Ou você não fica vendo coisas bizarras só para rir e criticar? Pois é, eu faço o mesmo.

A minha crítica, no entanto, não é só às quatro meninas. Eu também queria ter dado a sorte de ter ganho um programa de TV pra ficar falando um bando de merda e ainda ganhar fama e dinheiro. Pois é, não dei e continuo aqui insistindo na arte de escrever.

Mas voltando à crítica, ela é também ao tipo de programa em si e a sociedade que o produziu. Ele tem grande aceitação dos homens, que acreditam que, finalmente, estão podendo ver mulheres que falam abertamente sobre sexo como eles. Só que isso não é verdade. Não é, não é e não é. É lógico que eu e minhas amigas falamos sobre sexo, mas nunca disse, e nem uma delas tampouco, frases como: “Eu adoro quando ele pega na minha bucetinha assim e assado”. Sou um ano mais velha que a mais velha delas. Tenho 29. Não sou moralista. Pelo contrário, entendo os que traem e os traídos, os vingativos, as histéricas, sou super a favor do casamento gay e de lésbicas. Acho que vale tudo na cama, mas calma aí, não é por causa disso que eu vou sair falando em rede o que eu faço ou deixo de fazer entre quatro paredes. E acredito mais: acho que ninguém, além do meu namorado, tá a fim de saber do que eu gosto ou não. Agora, se o intuito do programa é tirar dúvidas sobre sexo, mais uma vez ele errou em seu propósito. Eu poderia tirar as minhas com aquela sexóloga velhinha do GNT, mas não com quatro meninas de 20 e poucos anos. Se for para isso, eu tiro com minhas amigas ou com a minha ginecologista.

E a chamada do programa? “As conversas típicas de “rodinhas” de amigas, onde elas falam sobre os mais misteriosos e apimentados assuntos, serão reveladas por quatro corajosas...”

Primeiro que as conversas não são típicas. E segundo: por que elas são corajosas? Não são típicas, não falamos assim, pelo menos no meu universo feminino, que não é pequeno, não. E seriam elas corajosas por que falam palavrões e num linguajar masculino? Isso pra mim, não é coragem. Corajosas são outras mulheres. Foram outras mulheres. Elas nos ajudaram a conseguir direitos que não tínhamos. E é nisso que devemos ser iguais aos homens, tendo os mesmos direitos, os mesmos salários, mas não nos transformando em homens.

As mulheres são, ou deveriam ser delicadas. São mais frágeis, mais sentimentais. E que mal há nisso? Por que temos que fingir que somos fortes para tudo? E o pior: que somos iguais aos homens? Não, não somos e ponto. E me perdoem as que se dizem ser.

Acredito, sim, que, como eu sou, existem mulheres mais racionais, menos sentimentais, mas, ao ponto de falar que uma trepadinha rápida resolve os “meus problemas”, não. Não, não resolve. Eu não gosto de fazer compras, não demoro pra me arrumar, não falo muito, não discuto relação, não faço unha. No entanto, admito que, como a maioria das mulheres, sou pior que os homens em direção. Eles são bem melhores com ferramentas e computadores do que eu. Eu já trabalhei com dois telefones nos ouvidos, um computador na frente, falando com 25 pessoas ao mesmo tempo no msn e mais uma diante de mim. Eles sempre me asseguraram que seriam incapazes de fazer isso. Fale com um homem enquanto ele vê televisão e veja no que dá. Sim, as mulheres são capazes de fazer muitas coisas ao mesmo tempo; os homens, não. E por aí vai... Viva as nossas diferenças! E meninas do “Papo calcinha” ...Bom, sem comentários.

Mesa de Bar


Júlio – E aí, conta? Como foi a viagem?

Marcia – Cara, Machu Pichu é...

Júlio – Eu também adorei quando eu fui. Tirei a Trilha Inca de Letra, não é tão difícil quanto dizem, não concorda? E que paisagem é aquela, né?

Marcia – É incrível mesmo.

Júlio – Mas conta aí. O que você mais gostou na viagem?

Marcia – Ah, pra mim sensacional mesmo foi...

Júlio – Pra mim não tem nada melhor do que a travessia Uyuni - San Pedro de Atacama. Paisagens surpreendentes! Morro de vontade de voltar lá!

Daniele – É? Quando você foi?

Júlio – Faz um tempo já, fui em 2005. Mas, gente! Quem acabou de voltar de viagem foi a Márcia. Ela que tem que contar as peripécias dela. Fala mais aí, Marcinha! Você gostou da Bolívia?

Marcia – Ah, a única coisa que eu não gostei da Bolívia foi...

Júlio – Eu também. Odiei a comida. E aquele povo? É muita pobreza, né?!

Marcia – Bom, depende de que ponto de vista você tá querendo...

Júlio – Ah, são pobres e pronto. Muito mais do que no Brasil!

Marcia – Depende de que região no...

Júlio – Sei. E os albergues? Ficou em algum legal?

Marcia – Em La Paz eu fiquei em um que se chamava....

Júlio – Então, em La Paz eu fiquei em um ótimo chamado Loki. Era época de Halloween e teve uma baita de uma festa lá.

Marcia – Ah! Que legal, agora também era época de Halloween e eu fui de..

Júlio – Eu e uma galera que eu conheci no próprio albergue fomos de “Os Incríveis”. Fez o maior sucesso a nossa fantasia! Mas e o Chile? O que achou?

Marcia – No Chile, eu aprendi muito sobre...

Júlio – Eu também adoro o Pablo Neruda. Ele é sensacional, né? E aquelas casas dele em formato de barco? A Sebastiana e tal? Muito linda!

Marcia – Sim, linda!

Júlio – O outro lugar que você foi, qual era mesmo? Argentina?

Marcia – Sim, Mendoza. Visitei umas...

Júlio – Também amo vinícolas! Até que aprendi bem sobre vinho quando estive lá. E agora? Qual o próximo roteiro?

Marcia – Eu tô pensando em...

Júlio – Eu já tenho o meu planejado. Só que ainda não quero contar pra não gerar mau olhado. Muito bom encontrar com você, Marcinha! Adorei suas historias! Como sempre, cheia de novidades! Pra minha próxima viagem, eu vou pedir uns conselhos a você, sem dúvida, viu?!

Presentes e a Hipocrisia


Época natalina, chegam os esperados presentes. Ou inesperados. Ao receber algum, quem nunca pensou: “Puta que pariu o que eu vou fazer com essa merda?” Trocar não dá, porque ele veio lá do Xingó, quando sua tia resolveu se aventurar por esta área. E usar uma pena do Pajé Uyuty da tribo Uyitá, você também não vai fazer nunca. Ah sim, uma opção: Carnaval. Não, é claro, souvenirs não são feitos para usar e, sim, para enfeitar. Só se for para enfeitar a casa da sua sogra, porque a minha vai muito bem, obrigada, sem uma pena pendurada na parede.

Por falar em souvenir, vamos parar com essa mania de trazer essas bugigangas de viagem para dizer que se lembrou da família e dos amigos? Que pura hipocrisia! Você nunca está com o menor saco de comprá-los, eles ocupam espaço na mala, e o presenteado invariavelmente vai olhar aquilo e vai dizer: ” Puta que pariu , o que vou fazer com esta merda?”

Confesso. Durante algum tempo, eu trouxe souvenir para meus amigos, até que comecei a perceber que se, na minha casa, eles não tinham mais lugar e função alguma, além de entupir minha estante, que poderia estar ocupada com livros, por exemplo, não teria por que eles terem alguma função na casa dos meus pobres amiguinhos. Mas aí entrei em outro erro: comecei a trazer blusas. Até que uma amiga me disse: “Márcia...eu não vou usar uma blusa escrito: El Peru glorioso!” Ops! Foi mal... Depois disso, não demorou muito para eu perceber que nunca ninguém usava as camisas que eu trazia. Elas provavelmente caíam no: “Puta que pariu, o que eu vou fazer com essa merda?”

Agora o máximo que eu faço é trazer chocolate do free shop. Esse aí não tem como dar erro! Ou bebida para meus amigos cachaceiros e, pra mim, é claro. Esses não têm como pensar: “puta que pariu...” Bom, vocês já sabem.

Saindo do âmbito “souvenir” e voltando para os tradicionais presentes natalinos, sempre há uma pessoa que, quando você era criança, te dava meias, calcinhas ou cuecas. E você tinha vontade de esganar aquele velho que fazia isso. Eu concordo que todos deveriam ser esganados mesmo. Porra, velho não sabe que criança gosta de brinquedo? Eu lembro, como se fosse hoje, o tamanho da minha decepção, quando sentia que o pacote era molinho,molinho, molinho.. Xiii, lá vem meia de novo... E camisola? Acho que, se eu dormisse todos os dias com uma diferente, não conseguiria usar todas em um ano. Tá bom, tá bom. É exagero. Mas sério, por que raios as pessoas adoram dar camisolas? E a avó que dá aquela com o piu-piu na frente quando você está no auge da adolescência? É pra pensar: “Puta que pariu, caralho, eu nunca vou usar esta porra!”

Outra coisa que muita gente tem mania de me dar é cinzeiro. Puta que pariu!!!! Eu não fumo!! Ok, eles têm algum uso para os convidados fumantes que visitam a minha casa...Não é de todo ruim.

Eu juro que não sou chata, eu gosto de quase tudo, aqui vai um exemplo: dinheiro, num envelope com um cartão. Nunca dá errado. O máximo que pode acontecer é uma inflação ao contrário, não notada por seus avós. Durante aaaanos os meus me deram R$50,00. Mas ai até eu dizer pra eles que os 50 reais de mil novecentos e bolinhas não são mais os 50 de hoje... eu preferia sorrir e agradecer.

Livros! Livros! Livros! Sou sempre a favor deles! Mesmo que você não os leia, eles vão fazer bonito na estante, vão dar a impressão de que você lê muito! Se bem que, se eles forem de auto-ajuda, é meio mico. Não sei qual o pior, ganhá-los, porque significa que alguém o acha um fracassado e burro, porque acredita naquela merda, ou porque o tem como um troféu na estante. Na dúvida, é melhor escondê-lo e, se possível, trocá-lo. Mas aí o foda é quando o chato que te deu te perguntar : “E aí, tá gostando do livro? E você responde: “Que livro?” Não! Nunca responda isso. Diga sempre: “A-do-ran-do!”. É o que a etiqueta recomenda.

É, tenho que me consertar. Livro, às vezes, pode ser um problema, mas, de todos os presentes, acho que é um dos que se corre menos riscos. Há também a opção de você colocá-lo com a capa pra baixo, bem enfurnado no meio de todos os outros, que aí ninguém vê a capa, e ele atende ao seu objetivo de fazer volume e dar a impressão de que você é um intelectual.

Ok. Se não houver livro e a opção escolhida para presentear for um carro, um eletrodoméstico, uma viagem para o Tahiti, ou um chocolate, sempre serão bem vindos... Pense nisso no próximo Natal!