segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Word

Ah... o século XXI... As máquinas, além de mais inteligentes que a gente, passaram a ser moralistas. Bons tempos aqueles em que o Word só corrigia os nossos erros de português. Ainda corrige; errado, dando umas sugestões que... puta que pariu, mas pra muita coisa continua servindo esse dicionário. Ele vem dando alternativas cada vez mais elaboradas, explicando o porquê de um “a” ter crase ou não, etc...

Seria ótimo se alguém lesse de verdade o que está escrito dentro desse retangulozinho que aparece quando a palavra é sublinhada por uma linha vermelha. Só que ninguém lê, vão logo aceitando a sugestão e clicando nela para então vir a segurança de que o texto está perfeito, sem erros. Ledo engano. Novamente: tem umas sugestões que puta que pariu!

Por falar em puta que pariu e voltando à questão moralista do computador, quem começou a me questionar fui eu. Além das sugestões péssimas que tiram qualquer licença literária de qualquer autor, ele nos proíbe de escrever palavrão. Aliás, o Word selecionou os palavrões de que gosta e aqueles de que não. Quando percebi isso, comecei a testar todos, fazendo uma força incrível pra lembrar-me de tudo o que eu conhecia. Teclei: merda, puta que pariu, caralho, escroto, vai se fuder, vai tomar no olho do seu cu, nem fodendo, buceta, peru, pênis, vagina. Teclei tudo assim; rápido. Logo em seguida, salvei! Ufa, tava com medo de que o computador travasse e ainda soltasse uma voz mandando eu ser menos desbocada.

Lançada a enxurrada, voltei às palavras para ver quais estariam sublinhadas em vermelho. As proibidas foram: caralho, fuder, fodendo e buceta. Ou seja, escroto, vai tomar no olho do seu cu, puta que pariu e merda, tá liberado!!
Só fiquei triste quando, inocentemente, em outro texto escrevi: ela não trepa com ele há séculos. E eis que me aparece uma linhazinha verde embaixo de trepa. Fui lá e cliquei na palavra, me achando uma depravada. O Word me advertiu: ter relações sexuais.

Ah, vai se fuder Word! Quem é que fala: “Você gostaria de ter relações sexuais comigo? Adoro ter relações sexuais com você.... ele tem relações sexuais bem pra caralho...” Não dá, não dá...Tem que ser: “ele trepa bem pra caralho”...., porra. Portanto fica aqui o meu registro:

_ Sr. Word, o Sr. deveria se fuder e trepar, só assim não ligaria para os nossos palavroezinhos santos de cada dia.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Cidade

Nesta Cidade, as pessoas não trabalham, mas têm suas profissões. Embora raramente saibamos quais são. As crianças estudam em colégios ótimos, todos têm no mínimo um carro, quando não um helicóptero ou um iate. Sempre faz sol, exceto quando há encontros românticos debaixo de chuva ou acidentes de carro causados por brigas conjugais, ou porque não tinha bolsa da Louis Vuitton na loja. Claro, isso é motivo de desespero para qualquer um. É necessário entender.

Nesta Cidade, de uns corpos habitantes e milhões de almas figurantes, o sorriso sempre é bonito e a beleza... bom, a beleza...é... também. Afinal, sorrir não torna a pessoa bonita? Será? Já tenho minhas dúvidas. Talvez não nesta Cidade. Nas outras, quem sabe? Sem helicópteros, sem celas ou prisões de uma pessoa só, os sorrisos sejam verdadeiros, apesar da pobreza e da falta de beleza aparente.

Esses lugares menores, reduzidos ao lugar onde a família da empregada mora, sempre tem música, fartura e festa. Já nesta Cidade, a mesa raramente é grande e nunca tem muita comida. As pessoas precisam conversar e sorrir enquanto falam, de onde se conclui que: conversar , rir , comer e beber prosecco ao mesmo tempo, torna-se uma tarefa quase inviável, por isso a pouca quantidade de comida e os corpos perfeitos.

Nesta Cidade, estão os “formadores de opinião” que, na verdade, não fazem idéia do que opinar sobre o que acontece nas outras cidades, pois não sabem como elas são. Às vezes , quando ouvem os lamentos das empregadas que dizem ter perdido tudo, sem nunca ter tido nada, os patrões dão um dinheirinho a mais para um cafezinho, embora eles também não saibam o que é cafezinho, pois só tomam expresso.

Mas o bom mesmo nestas cidades, tanto Naquela, quanto nas outras, é que, quando um fala, o outro sempre cala, ouve e espera a sua vez. E assim se constroem diálogos perfeitos. Decorados! Tão decorados... e até com vida! E assim, seduzem, fazem acreditar que, um dia, seremos desta Cidade e mais: que um dia seremos capazes de construir estes diálogos. Nós os ouvimos, paralisados. Talvez um dos poucos momentos em que nos calamos e em que realmente prestamos atenção no outro. Ou nos outros. Sem esperar a nossa vez de falar.

Mas aí, aí.... vem o comercial e nos distraímos de novo. Qualquer semelhança com a Cidade do Leblon e Manuel Carlos é mera coincidência!