segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Intoxicados pela Internet

Intoxicados pela Internet foi a manchete de hoje. A China já conta com 400 centros para dependentes. O que você imagina que fazem nesses centros? Apenas tiram a Internet e os jogos eletrônicos de perto dos viciados? Não! Eles sofrem maus-tratos, eletrochoques! Um dos internados morreu a pauladas ano passado. Por que isso?

Sim, pessoas normais que saem um pouco do que se espera delas como cidadãs, são consideradas loucas. Sempre foi assim, desde leprosos, pessoas com doenças venéreas, até os “loucos atuais”. Se o mal do século já foi lepra, tuberculose, gripe, agora é a Internet. E como livrar loucos do mal do século? Como tratá-los, torná-los capazes de voltar a viver em sociedade? Da mesma forma que séculos atrás: eletrochoques e porrada, muita porrada.

É, parece que, quando o assunto é desenvolvimento humano, mesmo uma das maiores promessas como nova potência mundial, fica para trás, não passa de uma sociedade primitiva. Quanto mais desenvolvidos tecnologicamente, mais animais irracionais nos tornamos.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Contos do Rio





Petro – Ei, poste, vai se preparando aí, que o monstro branco tá vindo de novo. Pode ir acendendo as luzinhas.

Poste – Ah não... Hoje é sexta-feira. E trabalhar sexta à noite é uma maldade com o carioca! Sorte a sua que deu seis da tarde e não tem mais ninguém aí.

Petro – É ruim de não ter, hein?

Poste – Tá querendo enganar quem, Petro? Que funcionário público trabalha sexta, até tarde?

Petro – Você acredita que tem um ou outro que faz isso?

Poste – Deixa de ser mentirosa, Petro... Defender essa galera que usa e abusa de você todos os dias, pra quê?

Petro – Eles são meu sustento, né?

Poste – E desde quando carioca é sustento de alguém? O dindin tá lá em Sampa...

Relógio – Pô, não fala assim do carioca... Os caras podem não garantir o sustento do Brasil sozinhos, mas o meu aqui garantem. Eles chegam cedo, rapaz, e, justo na sexta, saem mais tarde. Isso que é povo que gosta de trabalhar!

Poste – Tadinho, tão velhinho e tão ingênuo... O povo fica é pra beber, homem!

Relógio – E isso não é trabalho? Ou você acha que é fácil ficar se controlando pra não dizer besteira pro chefe, guardar todas aquelas asneiras que ele fala...

Poste – Eu nem presto atenção nisso! Ah, me divirto mesmo é com os bêbados, com os amantes...

Petro – Pessoal, o monstro branco tá chegando... Tô vendo que hoje vai ser mais um dia daqueles: gente ilhada, chuva, apagão...

Relógio – Pois é, né, Petro! Tanto pra uns e nada pra outros... A galera do petróleo bombando, cheia do dinheiro... E você paradona, aí, inerte.

Petro – Meu querido, o dia em que você fizer a gente andar e não o monstro em nossa direção, você me avisa como conseguiu essa grande façanha, tá?

Poste – É sempre mais fácil colocar a culpa nos outros...

Petro – Olha aqui, senhor poste, eu não tô colocando a culpa em ninguém...

Relógio – Lógico que tá! Acabou de dizer que a culpa é da natureza que resolveu se movimentar...

Petro – Eu não vou discutir com vocês, já estou velha pra isso.

Poste – Ai, meus Deus, já tô vendo tudo. Daqui a pouquinho, quando o monstro branco ficar em cima da gente, a chuva chegar e o vento der o ar de sua graça, eu pifo.

Relógio – Estamos juntos, poste!

Petro – Vocês pifam, mas logo, logo, são consertados e ficam novinhos em folha. E eu, que não morro? Só envelheço... É bem pior. Faça chuva, faça sol, com monstro branco, sem mostro branco, eu continuo no mesmo lugar, todo santo dia... E, se não rolar nenhuma catástrofe, eu fico aqui até o mundo acabar.

Relógio – 2012, então!...Foi o que eu vi escrito atrás de vários ônibus, durante o mês de dezembro inteirinho do ano passado... mas já tô velho mesmo. Uns anos mais, uns anos menos, não faz muita diferença.

Poste – Que acabar o quê, relógio? Isso é propaganda pra vender filme. Você não sabe que o povo gosta de uma tragédia? Será que eu tenho que te explicar tudo?

Petro – Sabe o que mais? Vocês reclamam de barriga cheia, viu?

Relógio – De barriga cheia está você, Petro, nós somos finiiiinhos. Olhe só pra si mesma: imponente, grande, chamando atenção. Não tem ninguém que passe e não te veja. Já eu, o que adianta ser o relógio da Carioca, se ninguém sabe que eu tô aqui? Passo completamente despercebido...

Poste – Ah, mas não passa mesmo! Amiguinho, você tá falando com um poste. Quem me percebe são só os carros com os bêbados dentro, se bem que, depois da lei seca, isso tem diminuído. Nem mais pelos carros bebuns eu sou notado.

Petro – Que isso, meu caro?! Você dá a luz às pessoas!...

Poste – E você, o petróleo. Sem discussão, por favor. Recolho-me à minha insignificância. Já sei, não vou nem acender pra ninguém me perceber aqui. Assim as chances de eu pifar são menores... Se bem que, se eu pifar hoje, não trabalho o fim de semana todo... Que dúvida. O que você acha, relógio? Vai parar de trabalhar já, ou só quando a chuva chegar?

Relógio – Só quando a chuva chegar. A galera daí de baixo não tem nada a ver com isso, né? Já vão ficar no escuro, no temporal, isso sem falar daquele caos no trânsito... Eu tenho que exercer minha função pra ajudá-los.

Petro – Claro, relógio! Vai adiantar muitíssimo saber a hora, no meio daquela correria pra se abrigar, pra pegar ônibus...

Poste – E como se ninguém tivesse onde olhar a hora...

Relógio – Ok. Mas, pelo menos, poste, eu sirvo como ponto de encontro. Agora, me diz: quem é que vai marcar no terceiro poste à esquerda da rua sei lá o quê, com a rua acolá?

Poste – Como nossa amiga Petro disse, eu ilumino as pessoas.

Petro – Mais ou menos, né, amigão? Ultimamente, você tem estado tão fraquinho...

Poste – Vem cá. A onda agora é tirar sarro de mim, é?

Relógio – Não fica nervoso, poste. Hoje é sexta. Vai começar a cair aquele nosso temporal santo de cada verão e já, já, você para de trabalhar. Vai ter o fim de semana todinho pra descansar. Xiii!... Já senti os primeiros pingos... E o dia que tava tão bonito... um céu azul. O que esse monstro branco tinha que fazer aqui hoje? Logo hoje?

Poste – Sei lá, vai saber... talvez... talvez...nos lembrar o quão...

Petro – Pequenos somos?!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A Saga Australiana


Você já xingou muito alguém? Já ficou realmente puto? Se sim, leia isso aqui, que você vai ver que sempre existem maneiras de se ficar muito mais puto. Tudo sempre pode piorar... Começando por uma viagem. 66 horas entre aeroporto, aviões, hotéis e muita, muita confusão.

Saí do Brasil numa quarta-feira, à tarde. Deveria ir para Santiago, Auckland e, depois Brisbane. Se tudo desse certo, chegaria à Austrália na quinta feira à noite do Brasil, sexta de manhã da Austrália. Cheguei dois dias depois disso...

No avião pra Santiago, senta ao meu lado uma menina de Realengo que nunca tinha pegado avião. Por que raios, então, ela resolve ir pra pqp, digo, Nova Zelândia, em sua primeira viagem?!!! Ah, sim, ela não falava nenhuma palavra de inglês e me perguntava absolutamente tudo, desde onde ficava o botão das coisas até se a almofada e o cobertor eram para guardar ou usar...

Chegando ao Chile, a boa notícia: “Vocês vão ter que dormir aqui, porque não tem avião para a Nova Zelândia.” Começa o furdúncio: um bando de brasileiros achando que falava espanhol e os gringos com aquela cara de: "Que merda é essa?" Eu juro que, pela primeira vez na minha vida, eu queria saber falar só russo. Fui gentilmente eleita a "tradutora” do grupo... Viu? Eu não disse que sempre pode piorar? Bom, pelo menos foi a minha chance de ficar, uma vez na vida, em um Sheraton. Depois de hoooras no aeroporto até chegar ao hotel, fomos jantar. Tô tentando descobrir até hoje o que eu comi. Só sei que estava frio e que eu continuei com fome.

Dia seguinte, aeroporto de Santiago outra vez. Me disseram que assim que eu chegasse à Nova Zelândia, me colocariam no primeiro vôo para Brisbane. 13 horas de viagem. Entramos no avião às 10h da manhã, às 10h30 apagaram a luz e, às 11h30 da matina, estavam servindo o jantar. Tadinho de Tico e Teco, não entendiam nada. A Nova Zelândia está 3 horas à frente da Austrália, ou seja 15h de diferença pro Brasil, se for horário de verão. Confesso que demorei um pouco pra entender uma coisa que sempre foi simples: "Que horas são?"

Chegamos à Nova Zelândia! Eu estava esperançosa, achava que ainda ia ver meu namorado naquele dia, após de 4 meses! No entanto, vem a segunda boa notícia: “Vocês vão ter que dormir aqui, não tem vôo para a Austrália. Aí, sim, meu amigo, deu-se a merda: a brasileirada não falava espanhol, não entendia lhufas de inglês, e os gringos não entendiam nada que as mulheres da Lan Chile diziam. Mais sete horas no aeroporto, traduzindo...

Chega o ônibus para nos levar ao hotel. Muitos do grupo já tinham ido para seus respectivos hotéis e eu fiquei na última leva, resolvendo o vôo de um paulista de uma cidade de 30 mil habitantes de que eu nunca ouvira falar e de uma menina do Pará. Paramos em frente a um hotel, o motorista saltou, voltou e disse que não era para sairmos ali. O mesmo ocorre outra vez. Terceira boa notícia: “Os hotéis estão lotados, temos que continuar procurando” Mais uma hora e meia dentro do ônibus catando hotel. Só tinha vaga num bem longe do aeroporto. Pelo menos era 5 estrelas...

Saltando do ônibus, o motorista me pergunta: “Você fala inglês? Não fala?” “Sim.” “Poderia ajudar essa senhora? Ela não fala nada de inglês. Queria dizer a ela, que suas malas foram para outro hotel, na primeira leva.” A senhora era do Uruguai, tinha uns 65 anos e era completamente surda de um ouvido; no outro, ela usava um aparelho. Eu não disse que sempre pode piorar?

Deixei as minhas malas no hotel e fui com ela até o outro hotel, no mesmo ônibus em que já estava há mais de duas horas. As malas não estavam lá. Fomos, então, ao hotel da primeira leva. Finalmente, encontramos as malas da véia. Voltamos ao nosso hotel. A comida estava ótima dessa vez. Se bem que, com a fome que eu estava, iria achar qualquer coisa uma delicia.

No dia seguinte, vou tomar café da manhã (o "primeiro" vôo com vagas para Brisbane era às 3 da tarde), e advinha quem está lá, no restaurante, super sorridente, me esperando?! Isso! A véia. Tive que tomar café com a dita. Ela me pediu para ajudá-la a ligar para a filha que a esperava em Brisbane. Eu, visando minha mansão quando chegar ao céu, respondi que sim. Comprei o cartão para fazer ligações e pedi pra ela me dar o número da filha. Quando olho em seu caderninho, havia um número enorme, escrito com caneta falha. Pensei: “Puta que pariu, esse número está errado.” Tentei ligar de todas as maneiras, com zero, sem zero, com código de cidade, sem código, repetindo número, tirando número. Tudo sem sucesso. Propus a ela ligar para o marido no Uruguai, para pedir a ele que ligasse para a filha. Ela muito contente me disse: “Ótima idéia, o número é 22504692”.

_Sim. E o código da cidade e do país?

_ Código?...

_Sim, todo país tem um código, qual é o do Uruguai?

_Não sei, não, minha filha,... Nem sabia que existia isso...


Eu, como vocês podem imaginar, calmamente disse: “Olha, então, amanhã a gente vai à Lan Chile do aeroporto pra ver se alguém te ajuda”. Não, não, eu não queria esganar a véia. Imagina (de paulista)...

Dia seguinte, vou eu catar a oficina da Lan Chile, chegando lá, dão o número do Uruguai, mas, mesmo assim ela não consegue ligar. Eu, com minha paciência já na estratosfera, disse a ela que tínhamos que embarcar, já estava na hora, mas ela, tão entretida tentando ligar, não me ouvia. Eu saí de lá e deixei a véia.

Confesso que, quando entrei no avião, dei uma olhada para ver se ela tinha entrado também. Ufa, estava lá! Graças a Deus, bem longe de mim.

Chego então a Sydney, decido ligar pro meu namorado, que já comprara a segunda rosa, pois a primeira tinha murchado, pra avisar que, finalmente, estava na Austrália. Só faltavam algumas horas pra chegar a Brisbane e vê-lo. Lá, dá pra usar os cartões de crédito em telefone público. Só o meu que não deu. Coloquei o cartão no telefone, e cadê que ele saia? Íamos embarcar em 10 minutos. Meu Visa deve estar lá, até hoje.

Finalmente, chego ao aeroporto de Brisbane, com roupa de três dias atrás, e uma olheira que venceria a de qualquer personagem da família Adams. Eu tinha separado sandália de salto, conjunto de brincos e colar, maquiagem... Tinha comprado um vestido, tudo para colocar antes de encontrar o meu namorado. Não queria que ele se assustasse com a visão do inferno que teria. Eu só não sabia que o lugar para pegar as bagagens era aberto aos que vêm pegar as pessoas que chegam. Resultado: toda a preparação fora em vão. Sim, ele me viu daquele jeito. Quando eu estava descendo a escada rolante e o vi lá embaixo, quase que saio correndo na direção contrária. Mas, aí, seria pior, né? Além de horrível, ficar subindo uma escada que desce?...

Apesar de tudo, chegando a ele, foi encontro de cinema. Abraço longo, emoção!

Eu finalmente entrava na tão conhecida Sunshine Coast australiana, onde faz sol 330 dias por ano. O meu um dia e meio lá foi um dos outros 35...

Como eu cheguei dois dias depois do previsto, na manhã seguinte, já teríamos que embarcar novamente para Melbourne, onde iríamos passar uma semana de férias, antes das minhas aulas e o trabalho dele começarem. Na véspera, saímos com os amigos dele. No dia seguinte, Dylan não acordava. Deveríamos haver chegado no check-in até 7h15 no máximo. Chegamos 7h20. Perdemos o vôo. O próximo era às duas da tarde e mais 80 dólares para cada um.

Duas da tarde, fizemos o check-in. Excesso das minhas bagagens. Mais 150 doleta. Como mudei de um vôo internacional para um nacional de companhia barata, o peso permitido era muito menor, e, diga-se de passagem, eu trazia 3 garrafas de cachaça e um bando de doce brasileiro, o que contribuiu bastante para aumentar o peso do meu mochilão.

Com menos 230 dólares, algumas hot pies e VBs (a minha cerveja preferida de lá), eu finalmente começava a minha viagem!










quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Comunicando-se


Helena_ O restaurante do seu primo já abriu.

Ana_ Restaurante? Do Zeca?

Helena _ Onde você vive Helena?

Ana_ A duas quadras de você, tia.

Helena_ Pois é, e não sabe que seu primo tá abrindo mais um restaurante, aqui no Leblon?

Ana _ Não, nem sabia que era “mais um”.

Helena_ Vocês precisavam se falar mais.

Ana_ Mas a gente se fala, tia. Quase todos os dias, pelo Google talk.

Helena_ E ele não te falou?

Ana_ Não, na verdade a gente só se fala para saber quais as boas da night...

Helena_ Sei. Então de noite vocês se encontram?

Ana_ Nos encontramos.

Helena_ E mesmo assim, nada?

Ana_ Tia, quem é que conversa em boate?

Helena_ Eu conversava.

Ana_ Devia ser um saco, a sua época.

Helena_ Por que?

Ana_ Conversar o que numa boate?

Helena_ Sei lá, qualquer coisa. Vocês fazem o que, numa?

Ana_ Dançamos, bebemos, uns beijinhos aqui, outros ali...

Helena_ E esses beijinhos aqui e ali, dão no que depois?

Ana_ Na maioria das vezes, nada.

Helena_ E você chama a minha época de sem graça?

Ana_ Claro, tia. Sem twitter, facebook, Orkut, MSN, celular. Não entendo como é que vocês se comunicavam.

Helena_ Bom Aninha, eu também não sei. Só sei que seu tio, eu conheci numa boate e tem um mês que o restaurante do seu primo tá no facebook e ele não fala de outra coisa no twitter.



segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sombras do Mundo II


Ela – Ah não, você está de sacanagem. Eu cheguei aqui tem três anos já. Estou muito bem sozinha, não preciso da companhia de ninguém.


Ele – Ué, minha querida, eu só apareci porque você me trouxe.

Ela – Eu te trouxe?!

Ele – Trazer, de verdade, não trouxe, eu sou só uma conseqüência... Uma vez que você escolhe um corpitio eu posso acabar aparecendo...

Ela – Quando eu nasci não me disseram nada disso. Se eu soubesse, nem começaria a trabalhar. Gosto de fazer meu serviço sozinha.

Ele – Sozinha? É piada, né? Você sozinha não é nada. Pelo contrário, só se aproveita das fraquezas dos outros.

Ela – É o que fazem os chefes...

Ele – Você não se preocupe que eu não vou tirar seu lugar, não. No máximo, vou ser um empregado seu.

Ela – Até parece... você vai encurtar o meu trabalho.

Ele – Deixa de ser ambiciosa... Você já trabalha com tanta gente... Vai ficar brigando por uma pessoa só?

Ela – Eu? Ambiciosa? Você trabalha com muito mais gente que eu...

Ele – Não trabalho, não. É diferente. Eu ajo muito mais rápido que você, aí acaba sobrando bem menos gente.

Ela – Eu não tenho nada a ver com isso. Ninguém mandou ser tão sorrateiro. Se fosse que nem eu, desse sua cara logo, isso não ia acontecer.

Ele – Mas aí eu ia ficar igual a você e eu gosto de originalidade.

Ela – Então, você fica com a sua originalidade e vai se retirando daqui.

Ele – Agora não dá mais. Já cheguei há muito tempo. Na verdade, pouco depois de você. É que, como sempre, só descobriram agora. Tarde demais.

Ela – Não pode ser. Como eu não percebi?

Ele – Isto é sinal de que meu trabalho está cada vez melhor.

Ela – E eu achava que eu que era a má da historia.

Ele – Você é bem pior do que eu. Eu, pelo menos, não faço as pessoas com quem eu trabalho sofrerem. Você não. Fica enrolando, enrolando... deixa que vivam até dez anos ou mais...

Ela – Ué, o que o povo quer não é viver? Eu deixo eles fazerem o que eles quiserem.

Ele – Você deixa a galera que tem grana fazer o que eles quiserem, porque quem não tem se ferra.

Ela – E com você? É diferente?

Ele – É, comigo não tem conversa, não. Na maioria das vezes, eu chego quebrando tudo logo.

Ela – Que mentira... A galera que tem grana sobrevive muito mais.

Ele – Tá bom, tá bom, concordo. Então, quer dizer que somos parecidos, não acha?

Ela – Não, eu não tenho nada a ver com você. Você deixa as pessoas feias.

Ele – Não sou eu que deixo. São os remédios. E você as deixa lindas, por um acaso?

Ela – Não, mas os remédios que são usados contra mim, ajudam a disfarçar. Não adianta tentar me comparar com você. Pra começar, pra viver comigo, antes de tudo, as pessoas precisam ser pacientes. Eu ajo com calma, sem pressa... Mas com você, não. Como você mesmo disse, chega quebrando tudo logo. Além do mais, meu querido, as pessoas querem que eu esteja ali. Mesmo não gostando de mim. Existe coisa melhor do que isso?

Ele – Como assim, te querem? Todo mundo te odeia, você é o mal da humanidade.

Ela – Exatamente, o mal da humanidade. E você? O que é? Nada. Se você não chega com força total, facilmente é destruído. Se eu chego, passo a fazer parte da vida de alguém. Não tem como me destruir. Então é melhor que a pessoa fique comigo. Caso contrário, é pior, né? Eu só vou me separar da pessoa, quando ela estiver lá do outro lado.

Ele – Isso é questão de tempo. Um dia, ainda vão descobrir como te destruir.

Ela – Será? Eu já tenho trinta anos. E, com tanta tecnologia, experiência e bla, blá, blá, ainda não descobriram o jeito de fazerem isso?

Ele – A gente move uma indústria econômica, né, minha, cara?

Ela – É, e que indústria!

Ele – Pô, mas tá complicado pro meu lado sabia? Já destruíram o pessoal do pulmão esquerdo. Esses tratamentos estão cada vez mais potentes.

Ela – Nem me fala! E esses remédios que ela insiste em tomar todos os dias pra disfarçar que eu tô aqui. Isso me faz um mal.... Me sinto super fraca cada vez que ela coloca aquele bando de remédio na boca.

Ele – Isso não é nada, a guerra contra mim é bem pior. É direto na veia. Aquelas sessões... que coisa insuportável.

Ela – Desculpe te dizer, amigão, mas acho que você não dura muito não, hein?

Ele – Vou durar sim, você vai ver. Posso até sumir por uns tempos, mas depois eu volto.

Ela – Se é pra voltar, pra que sumir, então?

Ele – É que, às vezes, aqueles remédios vêm com tanta força que eu não consigo resistir. Aí, dou uma passeada, descanso um pouco, pra voltar a trabalhar com força total.

Ela – Então, quer dizer que você enche de esperança o pobre coitado do corpo onde você está, pra depois voltar? Isso é que eu chamo de maldade.

Ele – Ué, se ele não lutasse tanto contra mim, talvez fosse menos doloroso.

Ela – Dizem que isso se chama instinto de sobrevivência.

Ele – Instinto de sobrevivência?... Se o doente não tem nem como se manifestar?

Ela – Como não tem?

Ele – Ele pode optar por se cuidar ou não.

Ela – Convenhamos que não é muito uma questão de opção, não é mesmo? Trabalhei com muitos que queriam partir, e a família insistindo pra que eles ficassem. Acho que, no final das contas, é a família que decide se o doente vai viver ou não com a gente.

Ele – Me desculpe, mas aí eu discordo. A família tem muita importância, é claro. Mas se o doente não quiser, ele também não sobrevive.

Ela – Basta ele querer então?

Ele – Não digo que sobreviva, mas que ajuda, ajuda. Pelo menos por mais tempo. Nos casos em que o próprio corpo me chama, aí sim, é mais complicado.

Ela – Deixa de ser prepotente. Vai dizer que te chamam? O que as pessoas querem é distância da gente.

Ele – Conscientemente, né? Aí ficam com essas paranóias. Não pode comer uma coisa. Tem que se encher de outras porque previne isso e aquilo. Mas sabe que são essas pessoas as que mais me chamam? Elas podem ter a melhor dieta do mundo. Estar lindas por fora. Não adianta nada. Muitas vezes, sem saber estão me chamando de tão infelizes que são. Aí, amiga não há prevenção que não faça eu chegar e muito menos tratamento que me destrua.

Ela – É, pensando bem, acho que de alguma maneira, as pessoas acabam chamando a gente mesmo... Só no caso desse corpo aqui e de alguns outros que eu ainda fico na dúvida. Será que é inocência ou ignorância que faz eu chegar em lugares como esses em que estamos?

Ele – Acho que de alguma maneira elas sempre se ligam, né?

Ela – É. Pode ser. Tem pessoas que acham que eu nunca vou aparecer nelas. Sabe como é que é. Não se cuidam, né? Mas essa aí, dona desse corpo onde estamos, eu fiquei com pena. Se eu pudesse não trabalhar pra ela, não trabalharia. Mas foi mais de uma vez. O marido dela transava a torto e à direita com outros caras, umas putas... e ela nem desconfiava. Ele era um senhor ator. Aí, não deu outra. De uma ou um dos amantes dele, já nem me lembro de qual, eu vim parar aqui. Às vezes, eu gostaria de escolher as pessoas onde vou morar. Essa não merecia.

Ele – E alguém merece?

Ela – Alguém merece morrer?

Ele – Acho que sim. Talvez não com a gente. Mas esse foi o trabalho que nos deram. E, nas próximas décadas, serão outros no nosso lugar. Vamos fazer parte dos livros, como a tuberculose, a gripe espanhola... Agora, não cumprimos mais do que nossa obrigação...


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Despedida


Dor – Você sabia que eu ia chegar.


Encontro – Mas não fique assim, melhor do que a separação é o reencontro.


Saudade – E enquanto ela não volta, eu estou aqui pra preencher esse vazio. Lembranças boas, sabe?


Pavor – É, mas é bom ficar com os pés no chão, esse reencontro pode nunca vir, você sabe. Ela não te prometeu nada. Ficou tudo tão no ar...


Esperança – Não dê ouvidos a ele. Eu faço parte de você, esqueceu? E nunca vou sair daqui.


Defesa– Vai por mim... A melhor maneira de você mandar a dor embora é esquecer.


Ideal – Que esquecer que nada... Eu vou continuar aqui, fazendo companhia pra esperança, mesmo que só na aspiração.


Desalento – E eu, pra dor.


Amor – Podem falar o que quiserem. Não me aflige. Eu sou verdadeiro e se o dela também for não há por que se preocupar.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Carnavais

 
Glória – Oi amor, tudo bem?


Carlos – Tudo, só a tia Dora que morreu.


Glória – “Tia” quem?


Carlos – Tia Dora, aquela de Salvador...


Glória – E desde quando você tem uma tia, que se chama Dora e que mora em Salvador?


Carlos – Desde que ela nasceu da mesma barriga que minha avó, a vó Dorinha,ué.


Glória – Vó Dorinha?! Quem mais existe na família que eu nunca ouvi falar?


Carlos – Iiih... Acho que se eu contar a família toda lá de Salvador, devo ter uns 45 primos, uns 57 sobrinhos...


Glória – Se bobear, até sobrinho neto você já deve ter então...


Carlos – Sabe como é o povo do Nordeste! Gosta de fazer filho que é uma beleza!


Glória – Bom, desde que a tia Dora e ninguém desse bando aí não interfiram na maciez da minha tez, podem morrer quantos quiserem...


Carlos – Desculpe, Glorinha, mas acho que sua tez terá que ser prejudicada... Agora, no Carnaval, faz um calor fortíssimo em Salvador...


Glória – E?...


Carlos – E aí... que algum representante carioca da família tem que estar presente no enterro da tia Dora, né, Glorinha?


Glória – Ah, mas é claro que vamos estar presentes... O que é que eu vou fazer em Salvador, em pleno carnaval?


Carlos – “Eu quero mais é beijar na boca! Eu quero mais é beijar na boca e ser feliz daqui pra frente!”


Glória – Quê que é isso, Carlos?


Carlos – A música da Claudia Leite! Famosíssima, andei pesquisando na Internet, e é o último hit do momento.


Glória – Meu amor... O que você anda tomando?...


Carlos – Então, minha querida. Ainda deu tempo de conseguir passagem pra amanhã, sábado de carnaval. Aí, domingo, é só dar uma passadinha no enterro e, depois, se enfiar de cabeça no maior trio elétrico da face da terra, Banda Eva! A Ivete Sangalo já com tudo em cima de novo! Nem parece que teve filho... E a Claudia Leite? Ô... aquela mulher...


Glória – Carlos?!


Carlos – Sim, meu amor...


Glória – Eu tenho certeza que isso tudo é uma brincadeira de mau gosto. O que eu, vou fazer enfiada no meio de um bando de gente fedorenta, gosmenta, suada?... Ai, me dá nojo só de pensar!...


Carlos – Não... meu amor, não é nada disso... Eu reservei a área vip! Muito uísque! Gente bonita! Comida da melhor qualidade!... Suas amigas vão morrer de inveja de ver você na Caras, em cima do trio elétrico mais badalado do mundo! E com esse corpinho aí, sarado, suado, pulando ao lado da Ivete Sangalo! E digo mais: não vão ser só suas amigas não. As filhas... as sobrinhas... as tias delas...Todas vão morrer de inveja de você, meu amor...


Glória – Bom, se for pra aparecer na Caras, tomar um uisquezinho na sombra da área vip, eu posso até considerar ...


Carlos – Então, amor, prepara as malas que a véia não dura muito tempo no velório não...Começa a feder... e sabe como é...


Glória – Só você, Carlos, pra me botar numa fria dessa... Maria!!! Corre aqui!!!


Maria – O que foi, dona Glória?


Glória – O Carlos, né, como sempre, tudo em cima da hora...


Maria – É mesmo, né, dona Glória. Desculpe dizer, mas eu também achei....


Glória – Também achou o quê, Maria?


Maria – Ué, ir fantasiado assim, tudo tão de repente, e ainda mais de dengue na Unidos do Cabuçu! Tudo só pra desfilar no Carnaval?... Tem que ter muito amor, a senhora não acha não, dona Glória?


Glória – O que você tá falando, Maria? Eu te chamei aqui pra me ajudar com as malas, sabe que o Carlos não arruma a dele até hoje, né?!


Maria – Ih, dona Glória, vocês rico não batem bem não, hein... Ontem mesmo eu trouxe a fantasia do dr. Carlos... Ele mandou comprar lá na comunidade... Ficou engraçado que só o dr. Carlos! Todo de mosquito da dengue, a senhora tinha que ver!


Glória – Caaaarlos!


Carlos – O que é meu amor?!


Glória – Meu amor? Que história é essa de fantasia de mosquito da dengue?


Carlos – Ah desculpe, amor... Sou distraído mesmo, esqueci de te contar. A Maria foi tão generosa, trouxe lá da comunidade dela a fantasia. você viu?


Glória – Para com essa palhaçada, Carlos! Você vai ficar de mosquito da dengue no alto de um trio elétrico?


Carlos – Claro que não, né, Glorinha, eu vou desfilar na ala dos mosquitos da Unidos do Cabuçu... Ai, tô tão empolgado... o sambódromo... a turma toda vai!


Glória – Carlos! Peraí, a gente não tá indo amanhã pra Salvador?


Carlos – A gente? Não... Glorinha, em nenhum momento eu disse isso. Para com essa mania de botar palavras na minha boca...Você acha que eu ia te meter nessa roubada de desfilar no meio de um bando de gente suja, suada, gosmenta e ainda mais vestida de mosquito? Você ia ficar péssima de mosquito... ainda mais da dengue. Não, não, de jeito nenhum...


Glória – Ah, você acha, Carlos? Então que tal já encomendar pra dona Maria a sua fantasia de veado pro ano que vem? Porque das duas, uma: ou você vai estar com o chifre do tamanho do dele, ou vai na ala do Bambi de tão acostumado a tomar...bem, você sabe onde. Maria! Coloca aquele biquíni de onça e a fantasia de coelhinha na minha mala, por favor? Ah e não esquece também daquele meu tailleur preferido. Vai ficar linda a foto na Caras, com a manchete bem grande “EXECUTIVA BEM SUCEDIDA DESFRUTA TRIO ELÉTRICO AO LADO DE IVETE, ENQUANTO O MARIDO SE VESTE DE DENGUE NO CARNAVAL CARIOCA.”


Pra quê?


Perdemos.  Somos todos grandes perdedores. Perdemos a luta contra o tempo.  Não adianta mais. Quando se tem tempo, não sabemos o que fazer com ele. Correr contra o tempo virou frase cotidiana.  E o pior: pra quê? Pare e se pergunte se há algum dia em sua vida em que, antes de dormir, você diga: “Ai, que bom, vou dormir realizado hoje! Fiz tudo o que queria e planejava fazer.” Mesmo que, por algum milagre, você responda a si mesmo que “sim”, não adianta: você continua sendo um perdedor e sabe por quê? Porque ainda vai faltar, amanhã sempre tem mais. Tem a continuação da dieta, o livro que você não leu e os milhões que faltam para ler. Tem a peça, tem o filme, tem o jornal, tem a noticia, tem os amigos, tem as pessoas, tem as visitas, tem o cachorro, tem os filhos, tem os negócios. Para quê? Isso vai ter fim? Algum dia, isso vai ter fim? Vai, quando você morrer! E aí?...E aí, você fez todas as dietas do mundo, todos os exercícios existentes no planeta, comeu e parou de comer tudo que disseram, leu todas as notícias de que você não se lembra mais e.... não deu tempo de terminar.

Pra quê? Necessidade de Conhecimento ou de Reconhecimento? De Ser ou de Parecer? Não sabemos mais responder, não dá tempo. A modernidade tem dessas coisas: objetivos não realizados, desejos não cumpridos, depressão permanente. E, assim, seguimos. Quando o tempo nos der tempo, já terá passado o tempo de ter vivido.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

O nosso pequeno grande mundo

Clico: página inicial, feed de notícias. Fico sabendo que: Ludmila Maciel está em crise existencial, que Roberto Moraes irá comemorar o aniversário em Montevidéu, que Clarissa começou uma amizade com Fabio e que Roberta está voltando não sei de onde. Aliás, não sei quem são essas pessoas, mas elas aparecem na MINHA página inicial do Facebook, a rede social do momento. Sim, porque ela será efêmera, isso não tenhamos dúvidas.

Acho que o que mais dura na minha vida hoje é o meu cachorro, ele já tem dez meses! E ainda não passou do prazo de validade. Vida longa, sem defeitos, desse serzinho que só quer comida, dar e receber carinho. Nos meus últimos dez meses, acho que, fora ele, tudo deu defeito (ou acabou mesmo): supostas amizades, esperanças de encontros, ilusões de paixões arrebatadoras, sucessos que viraram fracassos. Em um segundo! Sem mencionar o celular, a máquina fotográfica e a máquina de lavar. Entre outras coisas, também deram defeitos (ou acabaram mesmo), mas que, diferentes do resto são tão, mas tão facilmente substituíveis...

A palavra é essa: substituível! Como no Facebook, frases que estavam ali, há dois segundos, nos dois segundos posteriores já serão outras, assim como o número de “amigos” que não para de mudar e crescer. Mesmo que você não os conheça. E assim, para continuar fazendo parte desse “todo”, todos entram numa busca incansável para que não sejam substituídos. Começam a se sentir na obrigação de estarem presentes sempre, mesmo que sempre ausentes. Sim, porque ainda não viramos deus. A suposta maneira, então, de chegar perto da onipotência é estar virtualmente em todos os lugares, para que, pelo amor de deus, você dure mais um pouquinho na vida dos outros.

E isso é tão sem sentido! Quantas pessoas há na SUA cidade? Na minha, no máximo, umas vinte, no meu bairro, umas dez, no meu mundo não chega a cem. E estou satisfeita. Entre esses existem: DOIS melhores amigos, minha irmã e gente que me faz rir!

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Sem Pudor

Sem dor, sem pudor, sem medo, sem desejo. Apenas sexo. Era assim que o via. Não sentia culpa. Sono, vazio, assim foi. Achava que sempre seria. Sorriso, fingimentos. Sem culpa. Sem desejo. Quase sem expressão...falta. Muita, Muita. Continuava desejando, implorando, por outro, criando, viajando, esquecendo, substituindo, tentando.

quinta-feira, 25 de março de 2010

2050

Suzana – Boa tarde, senhor. Eu queria dois meninos brancos, de olhos azuis, cabelos loiros e lisos.

Ignácio – Desculpe, senhora, mas este tipo eu vou ficar lhe devendo. Está em falta. É o que todo mundo quer.

Suzana – Ok, de cabelos castanhos e olhos verdes o senhor tem?

Ignácio – Só um minutinho, vou pegar o catálogo para lhe mostrar o que ainda temos disponível.

Aqui está. Humm, também estamos em falta . Disponibilidade imediata de brancos, somente com os cabelos e olhos castanhos.

Suzana – Ok, se é o que tem...

Ignácio – Mais alguma coisa, senhora?

Suzana – Sim, claro! Quero que eles tenham QI acima de 120 e já nasçam sabendo inglês e espanhol fluente.

Ignácio – Mais uma vez, sinto decepcioná-la. Que fale inglês também não temos mais exemplares disponíveis no estoque. Só por encomenda. Mas posso lhe garantir que a moda será chinês. Espanhol ainda temos alguns...

Suzana – Põe aí, “chinês e espanhol” então. Depois, eu vejo o que faço com o inglês.

Ignácio – E a área de atuação? A senhora também vai querer escolher?

Suzana – Sim. E quais são?

Ignácio – Exatas, Humanas ou Biológicas.

Suzana – Ainda existem essas áreas, é? Mas deve estar tudo diferente... Humanas, Biológicas...Bom, o que tem saído mais?

Ignácio – Exatas. Só, às vezes, em mulheres, colocando as exatas, há 1% de chance de dar errado. Mas como a senhora quer dois meninos, não tem problema. Mais algum pedido?

Suzana – Sim. Eles não podem gostar de doces, tem que ser magros.

Ignácio – Senhora, isso também tem o mesmo 1% de chance de dar errado...hein. Fiquei sabendo pelo pessoal da genética que eles injetam, na célula do futuro bebê, uma dose imensa de glicose. Assim, toda vez que a criança olhar pra um doce, ela vai querer vomitar.

Suzana – Ah, mas aí também não! E nas festas de aniversário?

Ignácio – Aí, a decisão é da senhora: ou é “brigadeiro, bolo de chocolate e bala”, ou é “salada, banana seca e frutas”.

Suzana – Mas precisa ser tão radical assim?

Ignácio – (tom calmo e explicativo) Precisa, senhora. Não dá pra colocarmos mais ou menos gordo, mais ou menos chato, a produção de seres humanos é em massa. Eles vêm de fábrica. E em fábricas, o meio termo não é permitido. O mesmo vale pro resto. Se é bom em Exatas, é péssimo em Humanas.

Suzana – Ok, ok....

Ignácio – Próximo pedido...

Suzana- Eles têm que gostar de esportes

Ignácio – Temos um probleminha aí. São dois setores diferentes: um é o de gostar de esportes; o outro, é qual esporte.

Suzana – Ah, dá muito trabalho. Vou pular esta parte, então. Eu gostaria que eles fossem fortes, mas carinhosos. Corajosos, que nunca chorassem. Sinceros. Ambiciosos na medida.

Ignácio – Isto é na outra seção, senhora. Na de sentimentos. Mas vou adiantando logo: “ambicioso na medida” não existe. Ou é ambicioso ou não é. O mesmo vale pro sincero.

Suzana – Por quê?

Ignácio – Porque já tivemos problemas. Veja bem, senhora: Eu só to querendo lhe mostrar todos os dados pra evitar reclamações futuras. Não se esqueça que o sincero fala tudo o que pensa...
Suzana – Ih, então não. Pelos menos enxergar bem... eles podem enxergar?

Ignácio – Bem, depende que tipo de enxergar.

Suzana – Como assim? Existem tipos de enxergar?

Ignácio – Ô, e como!

Suzana – Ah é? Quais tipos?

Ignácio – Enxergar por dentro, por fora, enxergar os outros, só a si mesmo... e por aí vai....

Suzana – Bem, eu não tinha pensado nisso.... Pode colocar “enxergando tudo”, então.

Ignácio – Finalizamos?

Suzana – Sabe o que é, senhor Ignácio, é que não ficou muito como eu imaginava. Vocês estão com muitas coisas em falta..E além do mais, achei que fosse mais simples, que não teria que ir em outros setores pra resolver sentimentos, por exemplo...

Ignácio – Realmente, senhora realmente. E para chegar ao resultado final, pode demorar. Para conseguir exatamente como a senhora quer, tem lista de espera de até dois anos!

Suzana – (espantada) Dois anos?!!! Não, muito obrigada. Acho que vai ser mais fácil fazer no estilo tradicional mesmo. E que venha o que Deus quiser!

segunda-feira, 15 de março de 2010

Quase nenhuma palavra


Hoje não, por favor, hoje não. Hoje não me venha com suas mentiras, não finja. Somente hoje, não finja. Fale a verdade, a sua verdade, fale sobre você. De você. Quem você realmente é. Sem construções, sem pensar. Diga que você é egoísta, ou a verdade. Somente hoje, a verdade. Diga que você não ama, diga que você odeia. Seja apenas uma vez, somente hoje, sincero. Com você. Mas não atrapalhe, não interrompa o meu dia. Não interfira no meu pensamento, no meu sentimento. No que eu sinto por você. Também quero ser igual. Egoísta. Estava tão bom o que eu sentia, o que achava que sentíamos, mas você estragou. Mentiu pra você, mentiu pra mim, não se deixou levar e me fez frear. E agora? Não adianta. Perdemos o momento. Pluft! Ele passou. Triste. Frustrante. Mas ele passou. Isso, assim, com quase nenhuma palavra: “Não, eu não vou”. A partir de então, tudo mudou. Sim, mudou. A paixão é mais efêmera do que eu podia supor.

terça-feira, 9 de março de 2010

Uma moça dizeno


Hoje chegô uma moça aqui dizeno que o nome dela era um negocio de assistente social. Ela falô, que lá no rio de janeiro tavam fazendo um troço que chamam de adoção a distancia. Eu demorei um poco pra entende, mas depois de um tempo acho que entendi. Ela disse que a gente tinha que escreve uma carta pras moça que querem adota a gente. Ela disse pra contá minha historia, que aí, você, tia, ia responde sempre, até que um dia a gente ia se conhecê. Ela disse também que você ia ajudá nós, com um dinheirinho por mês. Mas sabe que só da senhora me responde já tá bão? Se bem que pensano bem, acho melho não, o dinheirnho tem que chegá mermo, assim, eu trabalho menos pra esses homi nojento.

i gente, acho que estiquei demais. Peraí que vo lá pergunta pra assistente social, quantas linha pode escreve. Voltei, a outra tia disse que eu posso quantas eu quisé.

Eu tenho 12 ano, desde que tenho 7 que minha mãe começo a mandá eu trabalha, pros homi que param aqui no posto do lado do barraco que a gente mora. Eu tenho vergonha de falá o que eu faço, mas acho que a tia vai entende, já que a tia mora no rio de janeiro, uma cidade tão grande, cheia de gente inteligente, como é esse cristo aí, eim? Tenho tanta vontade de conhecê, parece tão bunito. Eu sô feia, queria se bunita como as menina do rio de janeiro, que aparece na novela. Elas estão sempre rindo, né, tia. É, quando dá eu gosto de vê as novela. Mas também gosto de lê. Minha mãe não sabe. E eu quando crecê, não quero sê ingual a ela. Vive bêbada aqui nesse bar. Sabia tia, que outro dia, ela me troco por quatro cerveja? Fiquei com tanto ódio... queria enfia uma faca nela, que nem ela diz que fez com meu pai, quando ele tento mata ela, numa briga que tiveram, quando eu era neném ainda mas também não sei se queria conhece ele. Tenho tanto nojo de homi.. mas então eu aprendi a escreve, com um moço, ele foi o único homi bom comigo. Ele é dono do bar onde minha mãe bebe. Eu copiava as palavra das revista de outra moça que também bebe lá e ele me explicava um poco como que eu fazia pra formá as palavra. Mas eu quero melhorá. Não quero ficá ingual a minha mãe.

Um dia eu queria conhece a senhora, tia. Queria conhece o rio de janeiro e saí dessa vida aqui. A senhora vem me visitá? Tomara

Um beijo,

dayenne

Por quatro cerveja


Hoje minha mãe me trocou por quatro cerveja. Isso aqui é que nem um inferno! Como eu queria sair disso. Eu tenho 12 anos e desde os sete que trabalho pra esses homi nojento, minha mãe diz que se eu não fizer isso, vamu morre de fome. Mas hoje foi o pior dia. Eu sempre achei que era pra não sentir fome, mas hoje que eu vi que ela me ofereceu por quatro cerveja. Eu vi que na verdade ela tava mentindo. Já tive vontade de fugi, mas nunca sei pra onde.

Uma vez eu levantei de noite e sai andando por ai, minha mãe pensou que eu fosse fugi e me deu uma coça daquelas. Aí depois disso eu nunca mais tentei nada. Eu senti tanta dor no dia seguinte..Ela brigou mais ainda comigo porque ia ser um dia sem trabalho e sem ganhar dinheiro, já que nenhum dos caminhoneiros ia querer uma mulher como eu, com tanto roxo pelo corpo. Feia eu já sou. Cheia de roxo ia ser pior ainda. A porta aqui do quarto tá encostada e sei que mais tarde eles vão chega. Hoje não é só um. Acho que vai ser quatro, ja que ela ganhou quatro cerveja. Tô com mais medo ainda. Como eu odeio tudo isso, muito. Um dia ainda vou sair daqui. E vou ser como as mulheres da TV, daquelas novelas, que estão sempre rindo. Ou vou viajar pro Rio de Janeiro, lá as menina são felizes e minha mãe pode morre que não vo ter pena nenhuma.