quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Contos do Rio





Petro – Ei, poste, vai se preparando aí, que o monstro branco tá vindo de novo. Pode ir acendendo as luzinhas.

Poste – Ah não... Hoje é sexta-feira. E trabalhar sexta à noite é uma maldade com o carioca! Sorte a sua que deu seis da tarde e não tem mais ninguém aí.

Petro – É ruim de não ter, hein?

Poste – Tá querendo enganar quem, Petro? Que funcionário público trabalha sexta, até tarde?

Petro – Você acredita que tem um ou outro que faz isso?

Poste – Deixa de ser mentirosa, Petro... Defender essa galera que usa e abusa de você todos os dias, pra quê?

Petro – Eles são meu sustento, né?

Poste – E desde quando carioca é sustento de alguém? O dindin tá lá em Sampa...

Relógio – Pô, não fala assim do carioca... Os caras podem não garantir o sustento do Brasil sozinhos, mas o meu aqui garantem. Eles chegam cedo, rapaz, e, justo na sexta, saem mais tarde. Isso que é povo que gosta de trabalhar!

Poste – Tadinho, tão velhinho e tão ingênuo... O povo fica é pra beber, homem!

Relógio – E isso não é trabalho? Ou você acha que é fácil ficar se controlando pra não dizer besteira pro chefe, guardar todas aquelas asneiras que ele fala...

Poste – Eu nem presto atenção nisso! Ah, me divirto mesmo é com os bêbados, com os amantes...

Petro – Pessoal, o monstro branco tá chegando... Tô vendo que hoje vai ser mais um dia daqueles: gente ilhada, chuva, apagão...

Relógio – Pois é, né, Petro! Tanto pra uns e nada pra outros... A galera do petróleo bombando, cheia do dinheiro... E você paradona, aí, inerte.

Petro – Meu querido, o dia em que você fizer a gente andar e não o monstro em nossa direção, você me avisa como conseguiu essa grande façanha, tá?

Poste – É sempre mais fácil colocar a culpa nos outros...

Petro – Olha aqui, senhor poste, eu não tô colocando a culpa em ninguém...

Relógio – Lógico que tá! Acabou de dizer que a culpa é da natureza que resolveu se movimentar...

Petro – Eu não vou discutir com vocês, já estou velha pra isso.

Poste – Ai, meus Deus, já tô vendo tudo. Daqui a pouquinho, quando o monstro branco ficar em cima da gente, a chuva chegar e o vento der o ar de sua graça, eu pifo.

Relógio – Estamos juntos, poste!

Petro – Vocês pifam, mas logo, logo, são consertados e ficam novinhos em folha. E eu, que não morro? Só envelheço... É bem pior. Faça chuva, faça sol, com monstro branco, sem mostro branco, eu continuo no mesmo lugar, todo santo dia... E, se não rolar nenhuma catástrofe, eu fico aqui até o mundo acabar.

Relógio – 2012, então!...Foi o que eu vi escrito atrás de vários ônibus, durante o mês de dezembro inteirinho do ano passado... mas já tô velho mesmo. Uns anos mais, uns anos menos, não faz muita diferença.

Poste – Que acabar o quê, relógio? Isso é propaganda pra vender filme. Você não sabe que o povo gosta de uma tragédia? Será que eu tenho que te explicar tudo?

Petro – Sabe o que mais? Vocês reclamam de barriga cheia, viu?

Relógio – De barriga cheia está você, Petro, nós somos finiiiinhos. Olhe só pra si mesma: imponente, grande, chamando atenção. Não tem ninguém que passe e não te veja. Já eu, o que adianta ser o relógio da Carioca, se ninguém sabe que eu tô aqui? Passo completamente despercebido...

Poste – Ah, mas não passa mesmo! Amiguinho, você tá falando com um poste. Quem me percebe são só os carros com os bêbados dentro, se bem que, depois da lei seca, isso tem diminuído. Nem mais pelos carros bebuns eu sou notado.

Petro – Que isso, meu caro?! Você dá a luz às pessoas!...

Poste – E você, o petróleo. Sem discussão, por favor. Recolho-me à minha insignificância. Já sei, não vou nem acender pra ninguém me perceber aqui. Assim as chances de eu pifar são menores... Se bem que, se eu pifar hoje, não trabalho o fim de semana todo... Que dúvida. O que você acha, relógio? Vai parar de trabalhar já, ou só quando a chuva chegar?

Relógio – Só quando a chuva chegar. A galera daí de baixo não tem nada a ver com isso, né? Já vão ficar no escuro, no temporal, isso sem falar daquele caos no trânsito... Eu tenho que exercer minha função pra ajudá-los.

Petro – Claro, relógio! Vai adiantar muitíssimo saber a hora, no meio daquela correria pra se abrigar, pra pegar ônibus...

Poste – E como se ninguém tivesse onde olhar a hora...

Relógio – Ok. Mas, pelo menos, poste, eu sirvo como ponto de encontro. Agora, me diz: quem é que vai marcar no terceiro poste à esquerda da rua sei lá o quê, com a rua acolá?

Poste – Como nossa amiga Petro disse, eu ilumino as pessoas.

Petro – Mais ou menos, né, amigão? Ultimamente, você tem estado tão fraquinho...

Poste – Vem cá. A onda agora é tirar sarro de mim, é?

Relógio – Não fica nervoso, poste. Hoje é sexta. Vai começar a cair aquele nosso temporal santo de cada verão e já, já, você para de trabalhar. Vai ter o fim de semana todinho pra descansar. Xiii!... Já senti os primeiros pingos... E o dia que tava tão bonito... um céu azul. O que esse monstro branco tinha que fazer aqui hoje? Logo hoje?

Poste – Sei lá, vai saber... talvez... talvez...nos lembrar o quão...

Petro – Pequenos somos?!

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