sexta-feira, 22 de janeiro de 2010

Cidade

Nesta Cidade, as pessoas não trabalham, mas têm suas profissões. Embora raramente saibamos quais são. As crianças estudam em colégios ótimos, todos têm no mínimo um carro, quando não um helicóptero ou um iate. Sempre faz sol, exceto quando há encontros românticos debaixo de chuva ou acidentes de carro causados por brigas conjugais, ou porque não tinha bolsa da Louis Vuitton na loja. Claro, isso é motivo de desespero para qualquer um. É necessário entender.

Nesta Cidade, de uns corpos habitantes e milhões de almas figurantes, o sorriso sempre é bonito e a beleza... bom, a beleza...é... também. Afinal, sorrir não torna a pessoa bonita? Será? Já tenho minhas dúvidas. Talvez não nesta Cidade. Nas outras, quem sabe? Sem helicópteros, sem celas ou prisões de uma pessoa só, os sorrisos sejam verdadeiros, apesar da pobreza e da falta de beleza aparente.

Esses lugares menores, reduzidos ao lugar onde a família da empregada mora, sempre tem música, fartura e festa. Já nesta Cidade, a mesa raramente é grande e nunca tem muita comida. As pessoas precisam conversar e sorrir enquanto falam, de onde se conclui que: conversar , rir , comer e beber prosecco ao mesmo tempo, torna-se uma tarefa quase inviável, por isso a pouca quantidade de comida e os corpos perfeitos.

Nesta Cidade, estão os “formadores de opinião” que, na verdade, não fazem idéia do que opinar sobre o que acontece nas outras cidades, pois não sabem como elas são. Às vezes , quando ouvem os lamentos das empregadas que dizem ter perdido tudo, sem nunca ter tido nada, os patrões dão um dinheirinho a mais para um cafezinho, embora eles também não saibam o que é cafezinho, pois só tomam expresso.

Mas o bom mesmo nestas cidades, tanto Naquela, quanto nas outras, é que, quando um fala, o outro sempre cala, ouve e espera a sua vez. E assim se constroem diálogos perfeitos. Decorados! Tão decorados... e até com vida! E assim, seduzem, fazem acreditar que, um dia, seremos desta Cidade e mais: que um dia seremos capazes de construir estes diálogos. Nós os ouvimos, paralisados. Talvez um dos poucos momentos em que nos calamos e em que realmente prestamos atenção no outro. Ou nos outros. Sem esperar a nossa vez de falar.

Mas aí, aí.... vem o comercial e nos distraímos de novo. Qualquer semelhança com a Cidade do Leblon e Manuel Carlos é mera coincidência!

Um comentário:

  1. Embora Maneco seja meu novelista preferido, reconheço que suas novelas estão cada vez mais surreais. Ninguém trabalha e vive super bem. O barraco do núcleo pobre? Quem dera morar num daqueles! (imagino uma pessoa que mora num barraco de verdade vendo aquilo, ou deve achar muito engraçado ou deve se indignar com tamanha maquiagem da pobreza)

    Mas essa transformação aconteceu quando ele foi pro horário nobre - quando as Helenas viviam no horário das seis, elas moravam em prédios de 3 andares no Bairro Peixoto ou em ruazinhas bucólicas do Jardim Botânico, o (velho) carro delas enguiçava e elas tinham dívidas. Muito mais gente como a gente.

    Se a mudança para o horário nobre lhe subiu à cabeça e Maneco agora quer brincar de Gilberto Braga, podia então aproveitar para movimentar suas tramas. Quem sabe com um “quem matou Helena?”....

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