quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Pirei


Tenho certeza, eu pirei. Acho que estou no manicômio. Se algum dia, alguém encontrar essa carta, por favor, me tirem daqui. Neste lugar não vou melhorar, pelo contrário...

Como foi que eu vim parar aqui? Por quê? Quanto tempo faz? Aqui todos são um pouco surdos, se é que existe pouco surdo. Eles escutam, mas é um som tão estranho... Primeiro que a música raramente é em português, eu achava que eu falava português... Se é que isso é música. Muitas vezes é o mesmo som repetido quase que o dia inteiro, será que isso faz parte da tortura? Antigamente davam choques, essa deve ser a versão “light” (sim, eu também já me acostumei a falar várias coisas em inglês) deles. E, quanto mais alto eles escutam essas músicas, mais alto eles falam. Acho que eles acham que o ato de gritar gera mais energia. Vai ver que gera mesmo. Faz parte do “gerar mais energia” criar um sentimento de culpa pelo que você fez e pelo o que você vai fazer, quando sair dali.

É como se eles dissessem “sinta-se livre para sair nos fins de semana, mas não se esqueçam da gente”. Tem muita gente que prefere não sair nos fins de semana. No entanto, a maioria ainda sai e volta segunda-feira: pior. E aí, nos próximos cinco ou seis dias, o misto de culpa, realização e obrigação se alternam, sendo que a culpa nunca deixa de estar lá: no topo.

Para tentar amenizá-la, é possível ver aqui, todos os dias, pessoas correndo como loucos. Correm, correm, correm muito. Diria até que é uma imagem bonita de se ver, na verdade tenho um pouco de medo dela. Acho que todos, inclusive eu, já perdemos o controle. Não são mais humanos que fazem as coisas. Sim, as máquinas. E quando a máquina humana tenta ganhar das outras máquinas, a primeira invariavelmente se dá mal.

Aqui tem o que eles chamam de instrutores. Como em todo manicômio, quem tem mais dinheiro paga instrutores particulares. Eles sempre parecem felizes e querem fazer acreditar que todos serão felizes também, se forem iguais a eles. Às vezes basta só obedecê-los ou ter a companhia dos mesmos para que muitos se sintam melhores.

Mas eu descobri que nem todos esses instrutores são tão felizes quanto pintam. Em muitas coisas eles até se parecem com a gente. Mas em outras são completamente distintos. Talvez eles fossem mais felizes se não tivessem o material principal daqui: o espelho.

Neste lugar, eu descobri também que já chegou ao Brasil, aqueles robôs, iguaizinhos a humanos. Eles não choram, não dão gargalhadas, mas sorriem sempre. Alguns, é verdade, nem parecem tão humanos assim. Devem ter sido os primeiros protótipos. Apesar de terem o corpo de musas, dá pra ver que é robô. Mas a tecnologia vai melhorar e quem sabe, esses robôs não melhoram também? Em pouco tempo devem inventar injeção de gargalhada, acionada nos momentos oportunos, é claro. Devem inventar injeção de tudo; preocupação, tristeza...

Dá pena de ver esses robôs. Eles não conseguem mexer os músculos da face e, sabemos que o corpo deles não corresponde ao ano em que foram criados.

Eles contam (do verbo contar números) tudo. E não só os segundos, mas também o que eles chamam de rotações por minuto. Isso sem falar o que eles contam nas comidas.

Sempre contam a quantidade de calorias que há em tudo. Primeiro, que os internados aqui são capazes de ver calorias até em seus fios de cabelo. Se eles pudessem tirar suas unhas na hora de se pesar, acho que fariam. Um deles, uma vez me disse que podia sentir a comida o engordando imediatamente, como se pudesse sentir um pedaço de qualquer coisa correr pelo seu esôfago, chegar ao estômago e se transformar na pior da pior das vilãs: a gordura.

Não sei como vim parar aqui, não sei mesmo. Isso aqui deve ser que nem cigarro, que nem coca. Eu admito, é viciante. Mas bem que eu poderia ter vindo parar num manicômio mais simples. Aqui, 90% sofrem de outra síndrome: todo mundo se acha muito, muito rico (de dinheiro). É lógico que para eles se acharem ricos, tem que ter alguém para que eles achem pobres. E, acho que eu sou uma dessas; as pobres. Muitos são até simpáticos. Mas outros estão convencidos de que eu e meus amigos eexisitmos para nada mais do que serví-los. E aos seus desejos.

Pelo menos aqui é raro ver crianças. Só um dia que vi uma. Ela chegou com uma mulher que não estava vestida de babá. Muito estranho. A mulher foi imediatamente falar com as outras máquinas e deixou a criança sozinha, sentada numa mesa comendo uma omelete feita por um dos meus amigos. Eu acho que a criança ainda não conta as coisas, porque entre o pedido de omelete da mãe e a chegada do mesmo, ela, como uma criança, comeu todos os chocolates que a mãe não deixaria. Quando a omelete chegou, ela não sabia o que fazer com aquilo sozinha. Ficou parada, esperando alguém chegar para ajudá-la. Das crianças eu ainda tenho pena. Na verdade, acho que de todos.

Tadinhos, tenho a impressão de que eles nunca serão felizes de verdade, chutar o balde, sabe? Tem um deles, que tem o corpo que todos os outros gostariam de ter, mas acho sinceramente, que ele deve ser um dos mais tristes aqui. E o pior é que nem robô ele é. Deu pra sentir, porque ele chorou na minha frente: estava se achando gordo. Esse é um dos motivos, porque eu tenho certeza de que pirei. Pra mim e, até então achava que para os padrões de hoje, ele estava mais do que adequado. Vai ver que além de surda, eu tô ficando cega que nem eles. Nunca vi um lugar para tratar doentes, que espalha a doença. Coisas do século XXI.

2 comentários:

  1. eu sei o endereço... que horror!! vou passar longe desse hospício! rs beijos, isa

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  2. Dizem que perdemos nossa inocência quando descobrimos que nossos pais nao sao perfeitos. Eu também acredito que perdemos nossa estupidez, quando descobrimos que na maioria das vezes os professores sabem menos q seus alunos.

    E academias de ginástica são realmente escolas de masoquismo.

    Estou adorando seu blog, não pare.

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