quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O Filho Eterno


Psicopatas. Psicóticos. Esquizofrênicos. Doentes mentais. Ando meio dada a falar sobre isso. Escrevi um pouco sobre uma das formas de loucura, ou como cada um desejar chamar os distúrbios da atualidade, em um texto abaixo, mas ando percebendo que esse assunto é inesgotável. Mais do que nunca, a loucura está presente em muito mais atitudes do que imaginamos.

Por exemplo: a felicidade. Os estóicos diziam que para se chegar à plenitude de felicidade deveríamos ser “ataraxicos”, ou seja, não se importar de fato, não se abalar com a opinião alheia, ausência de preocupações, perturbações. Diz-se que um dos pensadores do estoicismo, em uma de suas aulas, sugeriu que os alunos pegassem um peixe (morto de preferência) colocasse uma coleira nele e saísse pela rua arrastando o bicho, como se estivesse passeando com um cachorro. Não tenho o dado de quantas pessoas tiveram coragem de fazer isso. E se fosse hoje? Tenho certeza de que esta não seria uma maneira apropriada de mostrar-se feliz diante da sociedade.

Eis que escarafunchando meus textos, descobri um que se chama “Ataque de Felicidade” não o coloquei aqui para não me chamarem de bipolar. Eu não sou ataraxica. Nele, eu digo que há dias em que acordo muito feliz e, o melhor: sem razão. Nesses dias meu cachorro que já acha que eu sou louca, passa a ter certeza da minha pobre condição. Tratá-lo como se ele fosse um bebê de verdade é só um dos sintomas. Nesses dias, quando alguém me pergunta: tudo bem? Eu respondo: tudo ótimo! E ainda pergunto: E você? (e o meu interesse em saber como vai o outro, é real).

Baseando-me então, nessa felicidade sem sentido, pensei e cheguei à conclusão de que para a sociedade atual, eu devo ser bipolar. No entanto, não se passaram muitos dias e li num “currículo”, desses que descrevem a pessoa com palavras engraçadinhas, a seguinte caracterização: estudante de jornalismo, bipolar, blogueira... Então pelo visto ser bipolar deve estar na moda, o que me libera pra colocar o meu texto aqui com mais detalhes sobre meus ataques de felicidade. Será que coloco isso no meu currículo também? Será que além de pôr a nossa “cor”, teremos que colocar nossa condição mental em futuros formulários? Muito normal, mais ou menos normal, normalíssima, louca, louca pra...

Acho que sim. E atualmente, com tantas novas doenças nominadas, o difícil vai ser marcar uma cruzinha em algum dos três primeiros itens acima. Eu e a torcida do flamengo, por exemplo, que tínhamos altos e baixos, se formos, agora, a um psiquiatra ele vai dizer que viramos uma massa humana bipolar. Uma pessoa tímida passou a sofrer de perturbação de ansiedade social; alguém um pouco desconfiado está sofrendo de desordem de personalidade paranóica e a pobre coitada da criança distraída está passando por um transtorno de déficit de atenção.

Todo esse texto é pra dizer que ontem fui ver a peça O Filho Eterno e sai dela com a sensação, pela primeira vez muita clara, de que os loucos ou os doentes mentais, são os “normais”. E não é só por causa dessa propaganda que torna qualquer normal, um pouquinho louco, ou vice-versa. É porque durante a peça comecei a me lembrar de uma a notícia que tinha lido no dia anterior: centenas de clinicas para tratar viciados em drogas foram denunciadas por torturas e condições subumanas de tratamento aos “doentes”. Normais eram os “enfermeiros” ou fanáticos religiosos que tratavam os dependentes de drogas, torturando-os, fazendo-os cavar buracos enormes do tamanho dos seus corpos para simular a própria cova ou carregar pedras o dia todo. Normais eram os que davam pauladas a pau nos presos (eles ficam encarcerados), os deixando seminus com excrementos por toda parte. Tudo para que pagassem seus pecados ou desobediências. Nada muito diferente dos primeiros manicômios que surgiram.

Bom, O Filho Eterno de Cristovão Tezza tem síndrome de down, e acho que como qualquer outro com a mesma “doença” seria incapaz de fazer mal a alguém. Pois o que os move é a afetividade. Não passa pela cabeça deles fazer mal a alguém, torturar, trair, revidar, matar, competir. Eles não sabem o que é religião, ganância, poder, vingança, cinismo. Eles sim são atáraxicos. Eles só querem dar o que eles têm: afeto. Eles sim são felizes. Que falta que nos faz filhos eternos...

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